Vem por aqui” — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
— Sei que não vou por aí!
( José Régio )
(Poemas de Deus e do Diabo, 4a ed., Lisboa, Portugália, 1955, pp. 108-110.)
(Fonte: A Magia da Poesia)
Olá, Irene!
Como está?
Não estou ainda a comentar textos/poemas nos blogues.
Passei por aqui para ler o poema e lhe deixar um beijo e abraço de estima.
Bom resto de dia.
Olá, Irene!
Poema forte; lembro-me dele ser muito bem declamado na TV pelo João Villaret – que lhe dava ainda mais força e vida.
Bonita escolha!
beijinhos
Vitor
Intenso, profundo, lindo poema! beijos,tudo de bom,chica
Ahora sí Irene, el poema es una preciosidad y es un placer que lo hayas compartido para todos tus lectores y esta vez el vídeo también lo he podido disfrutar sin problemas.
Besitos!!
Querida Amiga,
Que satisfação vir aqui e ver que partilhou connosco o Cântico Negro de José Régio!!! Adorei lê-lo; aliás nunca me canso de o ler. Pela minha parte agradeço muito e tb agradeço o vídeo da cantora Julie London cantando o famoso “Cry Me a River”- admirável.
Desejo um bom resto de tarde.
Beijinhos