Fonte: Obvious -PERSONA: Faces de Bergman – Ana Carolina Meirelles

Reconhecido pela crítica como uma obra – prima do diretor sueco Ingmar Bergman, o filme Persona (1966, Suécia) ainda hoje é notável pela sua enigmática representação do existencialismo humano. Não podemos afirmar com uma certeza absoluta sobre qual é a ferida em que Bergman quis que tocássemos. Assim que, para sentir, mais do que simplesmente assistir à Persona, é necessária à abdicação da espera por uma significação imediata revelada.

As imagens extrapolam o campo intelectual. O filme se trata mais de uma experiência sensível a uma experiência racional. Susan Sontag, em análise feita sobre o longa, nos diz que para compreender Persona, o espectador deve ultrapassar o ponto de vista psicológico, já que o filme assume uma posição além da psicologia – assim como, num sentido análogo, além do erotismo – este que se desenvolve na relação entre as personagens ao longo da trama. (Sontag, 1987, p. 127-8).

A posição do espectador além da psicologia a que se refere Sontag, é necessária na medida em que nos deparamos desde a abertura do filme até aos créditos finais, com sequências de imagens enigmáticas que nos despertam os sentidos mais curiosos e sensações variadas diante de um desconhecido tão escandaloso posto em tela. Persona não é um filme linear, e eu diria que também não é pensado de maneira elíptica – de modo que queira retornar a ideia expressa nos seus primeiros instantes. Com uma estrutura temporal autêntica, o filme consegue se destacar ao surpreender pela sensibilidade que consegue atingir no campo cognitivo do espectador; tornando-se, assim, uma produção diferenciada na história do cinema. Aspectos que nos fazem tecer as pontes que ligam a realidade à ficção e a barreira que nos separa do Outro. E ainda, como SER pelos olhos do Outro.

persona.jpg Imagem de Arquivo

O desconhecido escandaloso de Bergman é um convite à análise profunda da psique humana, do simbolismo, dos papéis desempenhados por nossas diversas “personas” no nosso íntimo e no nosso convívio social. E neste filme, rodado por 82 minutos e a última película em preto e branco filmada pelo diretor, podemos provar da história contada pelas faces e pensamentos transfigurados nas personas de Alma (Bibi Andersson) e Elisabeth Vogler (Liv Ullmann).

História Contada (Sinopse)

Após a encenação da peça grega Electra, a atriz Elizabeth Vogler tem uma alteração no seu comportamento habitual. Elisabeth deixa de falar durante a representação teatral. Assim, é internada em uma clínica psiquiátrica pela demonstração de apatia ao seu entorno, as pessoas, ao filho e ao próprio teatro.

A médica responsável por Elizabeth encarrega à enfermeira Alma de seu tratamento. A atriz não está doente, apenas opta pelo silêncio. Percebendo que o hospital não seria o melhor lugar para a recuperação da senhora Vogler, a médica aconselha que Alma e Elizabeth passem uma temporada em sua casa de praia, em uma ilha isolada. A partir daí, as duas mulheres desenvolvem uma intimidade crescente.

O processo inverte-se, Alma parece estar aos cuidados de Elizabeth. Desencadeia-se, então, uma constante troca de identidades e um ponto importante para a compreensão de Persona: até que ponto somos nós e até que ponto somos, adentramos e ou interferimos no outro? “Posso ser eu mesma duas pessoas, ao mesmo tempo?” Pergunta Alma a Elizabeth (…) Mesmo o silêncio de Elizabeth não impossibilitou que as duas mulheres passassem por um processo de identificação e trocas.

A relação estava cada dia mais forte até que Alma se sente traída por Elizabeth e os papéis se invertem. Por fim, as duas voltam da ilha e a atriz retoma sua carreira profissional, assim como Alma ao seu trabalho na clínica psiquiátrica.

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Persona caracteriza-se pelas nuances insinuantes e bem delineadas por Bergman do preto e do branco. A iluminação, o contraste e a textura relacionados à composição perfeita da imagem, nos induzem a pensar sobre a sua veracidade, e até nos questionar sobre o que é a realidade, o que é a ilusão, e como elas estão presentes na linguagem cinematográfica. A ausência de cores e os nuances de cinza na película, aproxima as personagens à frieza da realidade, leva – as de encontro com o mundo cru e sem cortes, transfigurados para o cinema. Algumas imagens reais, representadas no filme, como a fotografia do menino judeu de mãos para cima em Varsóvia, assim como a imagem vista por Elizabeth na TV, de um Bonzo vietnamita sendo queimado como uma tocha de fogo, choca a personagem da mesma maneira que nos chocam na “nossa” vida real.

Em outras palavras e entre tantos aspectos singulares presentes nesta obra, talvez uma das intenções de Bergman foi nos atentar para o fato de que o cinema é apenas uma linguagem para expressar nossas diversas perspectivas e visões sobre o mundo. No entanto, sem nos esquecer de que aquilo é apenas uma representação, uma ilusão diante dos nossos olhos.

O cinema no cinema de Bergman está imbuído de teatralidade. Em Persona, isso é bem claro pois são diversas as alusões feitas ao universo das representações. O próprio nome “Persona” significa máscara usada pelos atores durante as tragédias clássicas. Portanto, é no campo das representações e da verdade que Bergman constrói as personagens Alma e Elizabeth. Compartilho da opinião de Sontag, quando nos diz que podemos entender a relação das duas personagens como o sujeito que é corrompido (Elizabeth) e a alma que é ingênua (Alma) e é colocada diante do ser corrompido.

Elizabeth é uma atriz que está em busca da verdade, e por desempenhar seus vários papéis e não se encontrar em nenhum deles quer calar a persona que é apresentada no contato com o outro e dar voz a persona que pode ser encontrada na sua solidão. Por isso ela resolve se calar e o silêncio é o seu único meio de cessar os ruídos que a impedem de voltar à Elizabeth in natura.

Quando se aproxima de Alma, uma personagem que não conseguiu dar voz aos seus outros “eus”, Elizabeth sente à vontade para escutar e em paz por não precisar desempenhar nenhum papel, e é neste momento, que mesmo cessando os seus outros “eus”, ela não consegue deixar de ser. Então, a partir do momento da escuta por Elizabeth, e da fala por Alma, há uma forte relação entre as duas e uma fusão de identidades que parece ser inevitável e inerente à vontade da alma e da consciência; e assim elas se transformam em apenas uma persona. No filme, retratado pela junção das duas faces.

Bergman talvez questione em Persona, para além de outros focos, os nossos vários papéis desempenhados durante a vida como condição intrínseca à existência. Talvez o fardo mais pesado seja carregar esses vários papéis, desempenha –los e suporta – los. Somos, pois, indivíduos fartos de muitos pesos, e sem o direito à decisão de escolha. Podemos escolher os papéis, mas não podemos escolher abster de tê-los.

As imagens aparentemente desconexas no começo e no final da película: aranha caranguejeira, prego sendo martelado na mão de uma pessoa, menino com óculos grandes, idosos com olhos fechados (eles estavam mortos?), esqueleto, sequência de imagens em um projetor… etc, são chamadas por Bergman de poema visual. Alguns críticos defendem que a ideia partiu para representar o nascimento da situação na qual nasceu o filme. Bergman estava hospitalizado quando começou a escrever o roteiro de Persona para se distrair. Na altura, ele ainda era diretor da Dramaten, uma companhia de teatro. No entanto, para, além disso, vejo nas imagens um convite às nossas inquietações latentes, ao incitamento do nosso inconsciente, para que ele venha “à tona”, antes do começo, propriamente, da história da trama. Na passagem veloz das imagens sequenciais, em um primeiro momento talvez não consigamos estabelecer um fio condutor com as outras cenas adiante. De qualquer maneira, o nosso sistema cognitivo guarda essas imagens, e depois nos provoca sensações mais “verdadeiras” à percepção do resto do filme. Sendo assim, acredito que Bergman pensou nas imagens para nos preparar para enfrentar o duelo de personalidades, que muitas vezes foge do nosso consciente e está enterrado, guardado ou adormecido nas profundezas do nosso inconsciente. Neste ponto, é possível tecer a relação entre Persona e a psicologia de Jung. O objetivo é apenas assinalar esta possível ligação entre o filme e a “persona” do psicólogo. Nesse sentido, Jung trata das sombras, que são nossas memórias, experiências passadas, tendências e desejos, que muitas vezes não emergem no nosso consciente. Jung também adentra ao universo potente do simbólico, que é evidente na película enigmática de Bergman e por isso, um tanto quanto fascinante. O texto do filme não é uma improvisação, embora às vezes nos tencione a crer que sim. Bergman diz que ele foi rigorosamente concebido. Mais uma prova da genialidade do diretor sueco e da atemporalidade de um filme delicado e profundo como Persona.

De: SHAHIN Nº. 3

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